O Imposto da Discórdia: IOF vira centro de embate entre governo, Congresso, mídia e elite econômica
O cenário político e econômico brasileiro viu se intensificar, nas últimas semanas, uma batalha entre o governo federal e o Congresso Nacional em torno de um tema que, à primeira vista, poderia parecer técnico e pouco chamativo: o IOF — Imposto sobre Operações Financeiras.
A decisão do governo Lula de elevar esse tributo por meio de decreto presidencial desencadeou uma reação em cadeia. Parlamentares de oposição e de centro se uniram para derrubar a medida. A grande imprensa, especialmente a TV Globo, que vinha mantendo postura mais moderada diante da gestão petista, passou a ecoar com força os argumentos contrários. No pano de fundo, a mobilização de setores empresariais, bancos, fundos de investimento e acionistas, que enxergaram nos decretos um recado claro: a conta da responsabilidade fiscal pode estar chegando para o topo da pirâmide.
Nesta reportagem, destrinchamos o que está em jogo nesse embate, quem ganha, quem perde — e por que ele importa para toda a sociedade, especialmente para os mais pobres.
O que é o IOF?
O IOF é um imposto federal cobrado sobre operações financeiras como crédito, câmbio, seguros e investimentos. Ele incide sobre:
- Cartões de crédito internacionais;
- Compra e venda de moeda estrangeira;
- Financiamentos e empréstimos;
- Aplicações como previdência privada (VGBL);
- Operações financeiras complexas, como o "risco sacado".
Tradicionalmente, o IOF tem dupla função:
- Arrecadatória — gerar receitas para o governo;
- Extrafiscal — regular o comportamento do mercado e influenciar decisões econômicas (ex: desestimular consumo no exterior).
O que o governo fez?
Em maio de 2025, o governo federal publicou três decretos que alteravam a forma de cobrança do IOF. Entre as mudanças, estavam:
- Aumento da alíquota sobre cartões internacionais;
- Inclusão de novas operações sob tributação (como previdência privada);
- Elevação de alíquotas para operações de crédito e câmbio de curto prazo.
A justificativa oficial era fortalecer a arrecadação sem mexer em programas sociais ou elevar impostos de consumo, além de corrigir distorções no sistema financeiro.
“É uma medida pontual, baseada em jurisprudência do STF, com finalidade extrafiscal”, argumentou a equipe econômica liderada por Fernando Haddad.
A expectativa era arrecadar cerca de R$ 7 bilhões extras até o final de 2026, reforçando o caixa para manter o novo arcabouço fiscal e cumprir a meta de déficit primário zero no próximo ano.
Além disso, o aumento do IOF também viabilizaria a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, promessa de campanha de Lula. Essa medida beneficiaria diretamente a classe média baixa e os trabalhadores formais, aliviando a carga tributária sobre salários e transferindo parte do peso para o capital e o consumo externo.
O Congresso reagiu: "aumento de imposto sem debate"
A reação do Congresso Nacional foi imediata. A Câmara dos Deputados aprovou, em 25 de junho, por ampla maioria, um projeto de decreto legislativo (PDL) suspendendo os decretos do Executivo. No dia seguinte, o Senado ratificou a decisão.
Líderes do centrão, da oposição e até de partidos da base alegaram que o governo tentou “passar a conta sem conversar”, usando um instrumento legal (o decreto) para evitar o debate legislativo.
“Aumentar imposto sem ouvir o Parlamento é um risco institucional”, afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Com isso, o aumento do IOF ficou suspenso, pelo menos por enquanto.
O governo reagiu à reação: STF é a próxima etapa
No dia 1º de julho, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) no Supremo Tribunal Federal. O objetivo: confirmar que o Executivo tem, sim, o poder de editar decretos para ajustar o IOF, desde que com fins extrafiscais.
A base da argumentação está em decisões anteriores do próprio STF, que permitiram ao governo Bolsonaro elevar o IOF em 2021 para financiar o Auxílio Brasil, com a mesma lógica extrafiscal.
Agora, o STF deverá arbitrar entre dois princípios constitucionais:
- A prerrogativa do Executivo de manejar certos impostos via decreto;
- O controle do Congresso sobre o sistema tributário nacional.
E a grande imprensa? Globo e outros veículos mudam de tom
Chamou atenção a mudança de tom da TV Globo e de outros veículos tradicionais da mídia, que passaram a destacar a narrativa da oposição: aumento de impostos, arbitrariedade e risco institucional.
Embora não seja novidade que a imprensa questione medidas econômicas do governo, o caso do IOF ganhou proporção maior, sugerindo que os interesses do capital financeiro e empresarial falaram mais alto.
Segundo fontes próximas à emissora, grandes anunciantes e acionistas demonstraram desconforto com os efeitos dos decretos — especialmente em um momento de juros altos e margens comprimidas no setor bancário.
A burguesia se mobilizou: medo de virar alvo
O que se viu, de fato, foi uma reação orquestrada de setores da elite econômica:
- Federações industriais e comerciais soltaram notas contra os decretos;
- Bancos e fundos de investimento pressionaram parlamentares;
- Entidades do agronegócio, do setor financeiro e da previdência privada temeram um precedente perigoso: se o governo consegue aumentar o IOF, poderá, em breve, tentar taxar lucros, dividendos, heranças ou grandes fortunas.
Essa movimentação revela o dilema histórico do Brasil: quem paga a conta da política fiscal?
Quando as medidas recaem sobre o consumo, os pobres arcam com o custo.
Quando miram o capital, a resistência é imediata — e, muitas vezes, bem-sucedida.
E os pobres? Beneficiados ou prejudicados?
Apesar da resistência das elites, os impactos diretos da medida não recaíam sobre a população de baixa renda. Pelo contrário:
- As alíquotas mais altas atingiriam quem consome com cartão internacional, viaja, investe em VGBL ou opera câmbio — práticas restritas a uma minoria.
- O recurso extra ajudaria a manter políticas sociais e investimentos públicos, o que beneficia justamente os mais vulneráveis.
- Mesmo que houvesse repasses indiretos (como aumento de custo em serviços), os efeitos negativos seriam limitados diante do benefício fiscal coletivo.
“Quem mais consome dólar, crédito internacional e previdência privada são os 10% mais ricos. Tributar isso é, sim, uma forma indireta de fazer justiça fiscal”, avalia o economista Pedro Rossi, da Unicamp.
Conclusão: um caso simbólico da disputa de classes no Brasil
O episódio do IOF evidencia como medidas tímidas de justiça tributária ainda enfrentam enorme resistência no país. Quando a conta recai sobre o andar de cima, a resposta é rápida, articulada e eficiente.
A mobilização da burguesia — com apoio de parte da imprensa e do Congresso — conseguiu, por ora, barrar uma proposta que não mexia com os pobres, mas os beneficiaria indiretamente, a resistência à medida mostra que quando o alívio chega para baixo, o topo se mobiliza para frear.
Enquanto isso, o governo tenta manter sua agenda de responsabilidade fiscal sem abandonar o investimento social. E o Supremo se prepara para decidir qual lado tem respaldo constitucional para impor ou barrar impostos.
Afinal, a pergunta central continua ecoando: quem vai pagar a conta do Brasil?
